Em show atípico, anteontem no Bourbon Street, cantora mostrou repertório que ouve na intimidade.
Na intimidade de seu quarto, Sandy diz que ouve Elis Regina, Diana Krall
e seu compositor predileto, Tom Jobim. Foi o que ela fez questão de
frisar anteontem, no concorrido show que fez no Bourbon Street Music
Club, dentro do projeto Credicard Vozes. Quem conhece Sandy Leah Lima,
de 22 anos, da porta pra fora, ou seja, cantando brega-pop com o irmão
Junior, pode estranhar. O teor da declaração, no entanto, não é
novidade. Ela já havia gravado Chovendo na Roseira (de Jobim), para a
trilha do filme A Dona da História, e sempre cita Elis como referência,
de tanto ouvir os discos da coleção da mãe. Esta, como de hábito, estava
na platéia, ao lado de outros integrantes das famílias Lima - a da
cantora e a do namorado dela.
Nervosa, mas se sentindo chique, como ressaltou diversas vezes, Sandy
cantou para adultos, entre fãs e curiosos, 17 músicas, entre temas de
jazz, clássicos de Gershwin, Cole Porter, Jobim e Beatles. É essa a
idéia do projeto: colocar intérpretes diante de estilos diferentes dos
que os consagraram. "Este é um repertório muito íntimo, escolhi cantar
só o que me toca, o que é especial para mim. Só abri a porta do meu
quarto para vocês", confessou a cantora para a casa apinhada de um
público simpático à causa. "Não sabia se ia dar certo quando me
convidaram, mas como sou atrevida resolvi encarar. Acho que está dando
certo", disse do alto de seus saltos da humildade.
Vestida como uma senhorinha, mas sem conseguir se desvencilhar do eterno
ar infantil, Sandy teve dificuldade para descontrair. Ficou a maior
parte do tempo sentada. Não deve ser fácil mesmo se colocar na berlinda
dessa maneira com parte da mídia vuduzenta à espreita pela menor
escorregada. Mas nada demais aconteceu além da constatação de que ela
precisa amadurecer muito para se atingir o preciosismo do repertório que
escolheu. Se abriu a porta do quarto não quer dizer que conclamou a
galera para um "vamos pular" no colchão. Talvez a graça estivesse só em
espiar pelo buraco da fechadura.
Recolhida sob a coberta confortável dos standards, ela pelo menos
acertou em não inventar nada de novo sobre o que já se conhece deles,
para não sobrepujá-los. Acompanhada de uma boa banda de baixo, bateria,
violão e um pianista enérgico - além de contar com a participação sempre
marcante do trombonista Bocato no miolo do show -, preferiu deixar os
arroubos para eles.
Sandy canta com naturalidade, é graciosa e opta pela delicadeza, o que
não quer dizer que sempre alcance o tom certo. Algumas vezes provocou
suspense de quem a qualquer momento ia "receber" uma Celine Dion. Só se
agitou mais em Cherokee e animou o ambiente com as canções brasileiras -
Triste, Fotografia, Corcovado, Águas de Março, Chovendo na Roseira - em
versões pra lá de irrelevantes.
Lucro para seus fãs, o repertório não era tão desconhecido da
indefinível platéia como se fazia supor. Teve até coro forte em canções
como Night and Day, 'S Wonderful, The Look of Love, que ela interpretou
em inglês corretíssimo. O atrevimento a que ela se referiu a certa
altura se traduz na coragem pela extravagância do show em si. Mas assim
como o baterista que acompanhou as irmãs Labèque na Sala São Paulo, na
segunda-feira, Sandy poderia ter dado uma passada no show do Uakti, para
tomar umas aulas de ousadia. Só para fazer a ligação - as Labèque
tocaram Chovendo na Roseira e o Uakti reedificou Águas de Março. Sandy
parece ter força de vontade.