As baladas adocicadas de Michael Jackson foram feitas na medida para
Sandy. Ao mesmo tempo, o estilo de interpretação da cantora poderia
redundar em algo ainda mais melífluo, mas não é o que ocorre no show que
chega hoje a São Paulo, em que ela canta clássicos e “lados B” de seu
ídolo. Na estreia no sábado em Curitiba, Sandy superou as expectativas.
Afinada,
pegou o tom certo, fugindo dos viciados vibratos e outros excessos das
cantoras atuais (negras ou não), que acham que para cantar soul basta
gemer e berrar. Não só fez tudo com correção milimétrica - na pronúncia
perfeita do inglês, na montagem do roteiro e nos surpreendentes arranjos
-, como foi além, tornando algumas canções menos melosas do que as
gravações originais.
É o caso de Music and Me, em refinada versão folk, um dos picos do show.
Ben ganhou belo arranjo de blues/jazz com solo de piano e tudo, em
ritmo mais acelerado. Já em Billie Jean, outro acerto, deu-se o inverso:
em andamento mais lento, ao estilo jazz-soul de Sade, Sandy criou novo
interesse sobre a tão desgastada canção. E, como ela mesma disse, não
poderia faltar Don’t Stop Til You Get Enough, que ficou para o bis, com
peso de rock-funk.
Elegante, Sandy entrou em cena vestindo calça preta, colete preto
cintilante, luva prateada na mão direita e chapéu cantando Bad um tanto
contida. Emendou com Smooth Criminal e Rock With You, em andamento mais
lento que o original. É nesses momentos que falta a ela se entregar
mais, “deitar na lama”, como se diz metaforicamente. Aí veio o bloco de
baladas, abrindo com Human Nature e fechando com I’ll Be There, em belo
dueto ao estilo Jackson Five com um dos dois guitarristas da banda.
Outro esperado hit dos irmãos Jacksons - I Want You Back - também
funcionou.
Além do figurino, Sandy fez citações sutis das performances de Michael,
evitando a imitação redundante, seja num discreto passo de dança, no
jeito de levantar o braço, num gritinho ou outro, ou na pose de zumbi e o
colete vermelho em Thriller. São gestos caprichosos que mexem com a
emoção e o imaginário do público, e só não “capta” quem viveu noutro
planeta no século 20. Tem fã dele e/ou dela que até chora.
Sandy diz que se identifica com Michael também pelo fato de os dois
terem começado a carreira na infância. Por isso ela fez questão de
incluir Leave Me Alone, que fala do cansaço pela excessiva exposição na
mídia. A voz de Michael em off dizendo o poema Planet Earth introduz a
dramática Earth Song, que ela de novo interpreta com menos afetação do
que ele. No final, Gone Too Soon cumpriu o papel de homenagem de
despedida do ídolo que morreu tão cedo, como comentou a diretora Monique
Gardenberg, idealizadora do projeto Circuito Cultural Banco do Brasil.
Michael não admitia que nos shows as canções soassem diferentes dos
registros dos discos. Não faria sentido Sandy e banda se limitarem a
copiá-lo. O risco de dar errado ao reinventar canções tão conhecidas
também é grande. O mérito criativo é de Lucas Lima, marido da cantora,
que fez os novos arranjos. Ainda que com pouco ensaio e com a voz
comprometida por conta de um resfriado, ela e a banda não decepcionaram.
Com melhor desenvolvimento no palco o show tende a crescer. Só falta a
cantora ser mais atirada, mais intensa.
R&b com Lulu. Também faltou ensaio a Lulu Santos, que repete em São
Paulo na quarta o show de sexta cantando Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
Como Sandy, o cantor fez tudo diferente, puxando para o rhythm and
blues clássicos dos anos 1960 da dupla, como Quando, Eu Sou Terrível,
Não Vou Ficar, a datada Festa de Arromba, Se Você Pensa, Vem Quente Que
Eu Estou Fervendo, Você Não Serve pra Mim, esta com versátil vocal do
baixista Jorge Ailton.
Acompanhado de uma ótima banda, Lulu abriu e fechou o show com Sentado à
Beira do Caminho, fez citações de clássicos do pop-rock e soul - como
Hit the Road, Jack, Tequila, Roll Over Beethoven, Kansas City, Lay Lady
Lay, I Saw Here Standing There, Wipe Out - e até Babalu, em várias
canções, colocou batida de funk e samba-reggae tribal ao estilo
Olodum/Timbalada, levada de reggae, mistura de xote e cabaret waltz.
Pena que tenha errado tantas vezes algumas letras e ficado só em big
hits. Fora isso, com mais ensaio, é outro show com potencial para longa
temporada.
Para 2012, Monique já tem algumas ideias em andamento: Paulinho da Viola
cantando Nelson Cavaquinho. Madonna por Marina Lima, Maria Gadú
cantando Adoniran Barbosa e uma reunião de ex-integrantes de bandas de
rock dos anos 1980 - Dado Villa-Lobos, Frejat, Toni Platão e Charles
Gavin - tocando Beatles
Fonte: Estadao