Pela primeira vez ela canta repertório totalmente dedicado a clássicos
da música internacional, enfrenta narizes tortos e se diz "atrevida".
'Só canto isso sozinha, em casa. Abri a porta do meu quarto para vocês'. É a maturidade?
Por Domingas Person, especial para o Globo Online
SÃO PAULO - 22:05, quarta- feira. Uma garota chega esbaforida e
pergunta: "É aqui mesmo o show da Sandy?". A surpresa é porque não há
filas, nem fãs na porta. E o espaço é uma tradicional casa de jazz e
blues aqui em São Paulo.
A outra novidade é justamente o repertório do show , novo tanto para a
menina quanto para a própria Sandy. A cantora foi convidada para fazer
parte do projeto Credicard Vozes, pelo qual já passaram Fernanda Abreu e
Zélia Duncan, e a idéia é que os artistas se aventurem cantando estilos
diferentes do que os que as consagraram.
Às 22:35 Sandy entra no palco, de camiseta branca e saia rosa com tule
preto, cabelos ao natural, pouca maquiagem, e ataca de "Cry me a River",
famosa na interpretação cheia de nuances de Ella Fitzgerald ou Etta
James.
A casa está cheia, mas o clima é totalmente intimista, os aplausos são
contidos logo no início , até um pouco burocráticos, "blasé". É a
platéia "cool" do jazz, nada de tietagem.
Seguem "Sweet Georgia Brown", em que ela arrisca requebrar um pouquinho,
três canções de Tom Jobim, entre elas "Chovendo na Roseira", que ela
regravou para o filme "Dona da História". Aliás, uma canção que tem tudo
a ver com Sandy, na sua voz clara, límpida, afinada e delicada. Vem
ainda "Blackbird", num arranjo mais rebuscado e acelerado do que o
concebido por Paul McCartney no Álbum Branco dos Beatles.
À esta altura tem gente que já se arrisca cantarolar sentada nas
mesinhas da casa. Parece que estão se rendendo à graciosidade da
cantora, deixando de lado a referência dessas canções que conhecem nas
vozes das divas Ella Fitzgerald, Billie Holliday e até Diana Krall, que
já cantou neste mesmo palco e provavelmente para muitas das pessoas que
lá estavam.
Sandy pega um copo d'água, comenta que bebe mais quando está nervosa.
- Gente, quis variar bastante no repertório, escolhi as canções que mais
me tocam, especiais para mim - confessa na boca do palco.
E diz que estamos entrando na sua intimidade:
- Só canto isso sozinha, em casa. Abri a porta do meu quarto para vocês.
E ela está feliz da vida. Sem falar demais, sem exageros, bem do seu jeitinho.
Em "Night and Day", de Cole Porter, os aplausos são mais fortes, em
parte pela excelente participação do trombonista Bocato. O pianista Eric
Escobar também anima com sua interpretação meio desajeitada mas
geniosa, que lembra David Helfgott, aquele do filme Shine, lembra?
De Gershwin, ela canta "Summertime", aqui com arranjos de Chico Wilcox, o
baixista da banda, e finaliza com a letra "With daddy and mommy
standing by". Aliás, Noely e Chitãozinho estão ali bem na primeira fila,
assim como a Família Lima, do namorado. Só Júnior é que sai antes do
fim , já que também fazia show solo nessa madrugada com sua banda Soul
Funk.
E o público é mesmo eclético. Obviamente, lá estavam os fãs, a maioria
meninas, e os habitués do Bourbon, responsáveis por comentários como:
"Ela é muito bonitinha", "Que graciosa", "Ela é uma doçura, essa
menina".
No entanto, também havia uma turma estranha, que foi até lá só para ver
no que ia dar essa história de misturar cantora sertaneja com jazz. Uma
curiosidade um tanto mórbida, que se via em algumas expressões faciais,
nos narizes torcidos, num sorriso levemente sarcástico no canto de boca.
Para quem já gostava, sucesso total.
Mas entre o seu público não rolou decepção, apesar do repertório
desconhecido da maioria. Continuam achando ela uma graça, cantando seja
lá o que for. A modelo Priscila Nagao, 20 anos, foi sozinha ao show e
gostou do que ouviu. Conhecia só uma ou outra música e acha que a
cantora não fez feio de jeito nenhum.
- Eu bato palmas para os artistas que arregaçam as mangas, trocam de
repertório e se arriscam. Eu faço isso às vezes nos meus sets - opina
também o Dj Patife, que também apareceu por lá. - É claro que é um pouco
estranho você ouvir a música de divas como Billie e Ella na voz de
outra pessoa, mas ela merece reconhecimento pela coragem - completa ele,
que também é produtor musical.
A própria Sandy confirma isso durante o show, quando diz com um largo sorriso no rosto:
- Fui convidada para cantar aqui e topei. Eu sou um pouco atrevida.
Talvez nem tanto atrevida quanto as pessoas gostariam, nem tanto quanto a
própria imprensa parece cobrar da jovem de 22 anos. Querem a Sandy
mulher, símbolo sexual, que apareceu (um dia, quem sabe) de silicone no
carnaval.
Fala-se em Sandy entrando na fase adulta, não deixam nunca a menina em
paz. Porque é isso que ela ainda é, uma autêntica menina-moça, que fala e
sorri timidamente, que senta comportada enquanto canta, que fala "ops"
quando bebe água rápido demais - embora as pessoas queiram vê-la (e
ouvi-la?) mais madura, mais mulher, desabrochada. Ainda é preciso dar
tempo a ela, e um show como esse é um primeiro passo, para ela crescer.
Porém, no seu ritmo.
O que ainda se vê e ouve no palco é a Sandy doce, meiga, fofa. Sua voz
também é assim, seu timbre ainda soa adolescente. Não importa o
repertório que a acompanhe.