18 de mai. de 2010

O fantasma pop adolescente de Sandy



Em 1996, Sandy & Junior já eram estrelas mirins e chegavam mais uma vez ao topo das paradas com o hit “Power Rangers”. Sandy, aos 12 anos, “pagava o mico” – como ela mesma definiu 14 anos depois – de cantar e dançar a trilha do seriado norte-americano. O estilo pop adolescente definiu a futura carreira da cantora e, até 2008, fez dezenas de sucessos comerciais que tocavam até serem odiadas, por assim dizer. “As Quatro Estações”, “Imortal” e “A Lenda” não me deixam mentir.

Agora, dois anos após romper a dupla e deixar o público infanto-juvenil “órfão” musicalmente, Sandy abandona as longas madeixas e o estilo pop adolescente que a fez famosa em seu primeiro disco solo “Manuscrito”, que acaba de ser lançado em edição limitada CD e DVD, com documentário de 25 minutos esmiuçando as músicas do álbum e mostrando o dia a dia da cantora até o término das gravações. É nele que Sandy mostra uma transição ainda desconhecida ao público, pois mesmo após casar com o instrumentista Lucas Lima, a cantora não abandonou o estigma virgem e adolescente.

Mas, o documentário revela que Sandy cresceu sim e as mudanças refletem principalmente em sua música. “Fiz um trabalho do jeito que quero, sem me importar com o que vão achar. E sentir essa liberdade é bom, muito bom”, afirma no filme. Em 13 canções, dirigidas pelo marido e pelo irmão em parceira, Sandy faz um MPB-pop-rock, com influência romântica e melancólica de seus trabalhos anteriores. “Muita das coisas que eu penso, as ideias que eu tenho, tudo o que eu sinto, de alguma forma, têm relação com o que eu vivi no meu passado, porque foi meu passado que construiu quem eu sou hoje”, comenta.

Pessoal e bem elaborado

Mesmo com um poderoso agudo, e muitas vezes enjoativo e estridente, nesse trabalho Sandy utiliza uma voz comedida, contraditoriamente simples e bem elaborada. O estilo se assemelha ao de Maria Rita em seu primeiro CD, vocalmente até, e supera qualquer expectativa sobre todos os seus outros trabalhos. Na verdade, não há comparação. Parece que a personagem pop e imaculada ficou para trás e Sandy abre uma fresta de si. “Eu estou numa fase da minha vida em que eu penso e vivo certas coisas e expresso essas coisas em música”, revela.

Sua confiança e força para construir o álbum fazem de “Manuscrito” o que ele é: um excelente trabalho, se dissociado da antiga personagem Sandy. O single de abertura, “Pés Cansados”, é de longe a música mais interessante. O peso entre potenciais sucessos comerciais e obras pessoais é bem equilibrado, como em “Quem eu sou”, “Sem Jeito” e “Tão Comum”. Mas, as que roubam os ouvidos em detalhes são “Duras Pedras” e “Dias Iguais”, que têm tudo para conquistar as platéias mais exigentes, em letra e música. Esta última, por sinal, tem letra bilíngue inglês-português e foi composta em parceria com a cantora Nerina Pallot. Foge um pouco do estilo voz-violão-piano e traz um crescendum de bateria, violino e cello apaixonante.

Em suma, hoje é impossível comparar Sandy à Wanessa, ex-Camargo, pela superioridade musical, qualitativamente analisando. Ela se refaz em “Manuscrito” e é notório que faz o caminho inverso da indústria fonográfico, de dentro para fora. Como os dias atuais pedem alma, Sandy atende ao pedido e seu medo demonstrado no documentário, em que cogita o possível insucesso do álbum, é infundado. Ou nem tanto, já que o fantasma da cantora pop adolescente ainda existe e pode criar obstáculos para o trabalho decolar. Como ela mesma fala: “O CD é novo, é um novo ciclo, é vida nova”. Mas, o público também é novo, mais maduro, que precisa maturar a ideia de uma nova Sandy. É difícil, mas por “Manuscrito”, Sandy tira de letra.

Fonte: Em Tempo