Eu já te entrevistei um bom par de
vezes, Sandy. Já assisti a alguns de seus show – em especial aquele de
“despedida” da parceria com seu irmão. Já li muitas entrevistas suas – e
já te vi em incontáveis programas de televisão – inclusive no que eu
trabalho, em outras reportagens que não assinei. Assim como milhares
(milhões!) de fãs, eu achava que te conhecia bem – talvez com uma
pequena vantagem com relação a esses outros admiradores, pelo fato de eu
ter chegado um pouco mais perto de você, quase sempre em ocasiões
profissionais. Mas só agora, depois que li a entrevista que você deu à
revista “Playboy”, eu posso dizer que conheci uma Sandy diferente –
talvez mais próxima do que é a Sandy “de verdade”. Talvez mesmo até uma
Sandy mais “estudada” para provocar o público de uma revista masculina
(nunca se sabe…) – mas, sem sombra de dúvida, uma Sandy mais honesta. E
isso, nesse mundo deliciosamente maluco do “showbizz” é o que realmente
interessa.
Sei que entro no assunto
dessa sua entrevista com certo atraso – mas sei também que você vai
compreender meus motivos. Teria sido fácil eu comentar em cima da
divulgação da sua entrevista – um processo normal, quando se trabalha
com mídia, de lançar algumas “aspas” (entre aspas mesmo, como a gente
costuma dizer no jargão jornalístico), para criar um boca a boca a boca
de algo que ainda não foi lançado. Mas seria mais um comentário vazio, e
certamente fora do contexto – tão estridente quanto todos os que vimos
circular alguns dias atrás nesse meio que já tem uma queda para a
histeria… Então preferi esperar que a revista chegasse às bancas, que eu
pudesse ler com calma tudo que você falou – e aí sim, tirar minhas
conclusões. E minha primeira reação, sem medo de me repetir, é essa:
muito prazer, Sandy.
A essa altura, dois parágrafos
depois (uma “distância” que a maioria dos cínicos de plantão na internet
não costumam alcançar), creio já ter espantado os oportunistas que
estavam só esperando para ler o que eu iria escrever para alfinetar não
só suas repostas mais ousadas à “Playboy”, mas minhas própria palavras
escritas especialmente para você. Assim, a essa altura, sinto-me à
vontade para cumprimentá-la pela coragem e maturidade que você
demonstrou ao longo da conversa. Mais do que sua opinião sobre práticas
sexuais (já falo disso mais adiantes – tenho que afugentar mais alguns
curiosos desavisados que improvável e teimosamente talvez tenham
acompanhado o texto até aqui!), o que eu queria destacar é a sua
transparência e, sobretudo, sua capacidade de surpreender não só seus
fãs, mas também os marmanjos que tinham aquela fantasia sobre sua
figura.
Fantasia essa que, como você colocou muito
bem, era a da “virgem do Brasil”. Para eles (e elas também, certo
meninas?), o ideal seria que você continuasse a cultivar essa imagem
para sempre. Claro! Essa era a fantasia erótica perfeita para boa parte
desse público. Mas ao contrário deles – que, mesmo sem admitir,
adorariam viver numa eterna adolescência – você cresceu. Casou, transou,
gostou (ainda que, como você deixa no ar na entrevista, de maneira
bem-humorada, não necessariamente nessa ordem…). E agora se sentiu à
vontade para falar sobre tudo isso. Esse desmanche da fantasia, creio, é
o que causou tanta sensação com relação às suas declarações – e que,
secretamente, arrasou o coração de milhares de admiradores com a própria
vida sexual claudicante por todo o Brasil. Você acha que alguém que
tinha você em alta conta nas suas fantasias eróticas gostou de ler você
dizendo: “Se meu marido me acha gostosa, então pra mim já basta”?
Esse é, claro, apenas um exemplo da franqueza com que você encarou as
perguntas – e que eu, como jornalista, tiro meu chapéu (para os dois
lados, entrevistada e entrevistadoras – a editora Adriana Negreiros e a
repórter Camila Gomes). Naquelas linhas, encontrei uma Sandy que, mesmo
tendo sido pego de surpresa, eu talvez já esperava que existisse –
afinal, você já é uma mulher, de 28 anos, num casamento feliz! Aliás,
como você também coloca, a essa altura você é “uma pessoa bem resolvida,
casada, tudo certo”! Ninguém vai admitir isso, mas o que deixou parte
dos seus admiradores chocados foi isso – e não a sua opinião sobre
prazer e sexo anal.
Acho que quatro mil toques depois (sem duplo sentido, por favor – como
diria o “venerado” repórter Agamenon Mendes Pereira!), já podemos falar
sobre isso – sem medo de estarmos sendo lido por alguém que só quer se
aproveitar disso para fazer uma piada sem graça e gratuita (com você
e/ou comigo), que não seria nada além do reflexo do próprio desejo
reprimido de quem se manifesta. Mas eu divago… Vamos voltar para a
entrevista!
Suas aspas “polêmicas” (sim, agora as aspas estão em outra palavra – e
você sabe porquê) trazem a seguinte declaração, feita depois da
colocação “Dizem que mulheres não gostam de sexo anal. Você concorda com
isso?” (o fato de a pergunta ter sido feita por uma mulher mas colocada
na “terceira pessoa anônima”, o tal “dizem”, cria um pequeno ruído na
conversa, mas vamos deixar barato…): “Então… Não tem como responder isso
sem entrar numa questão pessoal. Mas falando de uma forma geral, eu
acho que é possível ter prazer anal sim, porque é fisiológico. Não é
todo mundo, Deve ser uma minoria que gosta”.
Pronto! Foi o que bastou para que todo um levante de falsos defensores
do pudor se manifestasse. Não faltaram os que se mostraram horrorizados –
horrorizados! – com a possibilidade de que você, a Sandy dos sonhos
deles, mostrasse que tinha uma opinião sobre um assunto que eles mesmos
não têm coragem de discutir na sua intimidade, nem mesmo “dentro de
casa” (a não ser que muito bêbados, numa noite em que finalmente eles
resolvessem convencer suas esposas de tentar algo diferente…).
Percebe a ironia, Sandy? Esse time de pseudo
defensores da moralidade viu na sua declaração uma oportunidade “mágica”
de poder falar daquilo que não ousam – mas desejam… (ou, pelo menos
fantasiam!). O tabu – que, ao que parece, você cutucou – não estava
dentro da sua cabeça, mas justamente na daqueles que fizeram questão de
se mostrar escandalizados – escandalizados! – com sua “ousadia”. Que é,
diga-se, a de discutir – e, como ficou claro na edição da entrevista, de
um ponto de vista genérico, e não pessoal – um assunto que eles fingem
não existir.
Como ilustração, conto aqui um episódio que eu mesmo vivi recentemente –
e que tem a ver com a sua entrevista. Numa conversa entre amigos
(alguns deles jornalistas), acabamos caindo nessa sua declaração – que
havia “explodido” na internet, e que, justamente por esbarrar num tema
“delicado”, mostrava-se virtualmente impossível de repercutir. Que outro
veículo, que não a própria “Playboy”, teria espaço para tratar do
assunto – que tornou-se, sem dúvida, popular, de uma maneira que não
fosse vulgar? Nem preciso dizer o quanto a discussão foi ficando cada
vez mais “quente”, até que a certa altura, eu já um pouco irritado com o
nível crescente da hipocrisia sugeri: “Por que não começam a repercutir
o assunto em casa, para ver a reação das suas esposas e maridos – e aí
sim ver uma maneira interessante de desenvolver uma matéria?”.
O assunto acabou ali mesmo.
Percebe o que você fez, Sandy? Chacoalhou a intimidade de um monte de
casais – e mesmo de solteiros com mentes “criativas” –, simplesmente
porque deu uma opinião (genérica, e não pessoal – é bom sempre reforçar)
sobre um assunto que mesmo gente que se diz tão liberada, tão
“moderna”, tão “cabeça aberta”, não consegue discutir sem melindres. Foi
divertido ver o desenrolar desse quiproquó nesses últimos dias – uma
“bola de neve” que, como tudo que é “polêmica” que surge na internet,
passou mais rápido do que o calendário conseguiu acompanhar…
Mas o que fica disso, pelo menos para mim, é a imagem de uma artista
ainda mais legal – que é você. É realmente delicioso ver que você
cresceu, e essa parte dos seus fãs não… É um pouco como se você agora
estivesse dando o troco – depois de anos de deixarem explorar sua imagem
(um processo que tinha, pelo menos em parte, a sua cumplicidade),
parece que agora você é quem estivesse finalmente manipulando eles, como
quem diz: “tolinhos… vocês acham que podem controlar o que eu penso…?”.
Nada disso, eu entendi bem. Por isso, renovo minha confiança em você
como uma pessoa bacana, Sandy.
E escrevo isso não pelas aspas do sexo anal, mas por tantas outras
ao longo da entrevista, que me convenceram de que você – independente
do rumo que sua carreira for tomar (cantora? atriz? mãe?) – está com as
rédeas da sua vida na mão. Afinal, quantas pessoas, ao serem perguntadas
sobre um outro assunto tão delicado como a traição no casamento, sem se
apoiar na surrada muleta da religião, teria a lucidez de responder:
“Homem gosta de sexo, gosta de variedade, gosta de experimentar. Só que,
quando ele tem um autocontrole e um amor tão grande, isso dá força para
se controlar e ele consegue ser fiel.”?
Vai que a vida é sua Sandy. E se a gente se encontrar por aí numa outra
entrevista – nunca se sabe – pode contar com o dobro de respeito e o
dobro da admiração que eu já tinha por você!
Um beijo.
Fonte: G1 - Zeca Camargo