SÃO PAULO – Sandy está sentada em um sofá branco entre três senhoras
distintas, que são aplaudidas pela plateia a cada vírgula das frases
que dizem. Elas falam de violência, que mulher não deve apanhar de
homem jamais. E dá-lhe salva de palmas. Sandy não diz muito, o assunto é
pesado. Uma mulher é advogada, a outra é delegada, e a outra é Hebe
Camargo. “Homem que estupra tem que ser castrado”, diz Hebe. Mais
palmas. Sandy não se sente exatamente em casa. Afundada ali naquela
poltrona durante a gravação do programa de Hebe Camargo, que iria ao ar
na segunda-feira passada, no SBT, a cantora parece ter menos do que
seus 27 anos oficiais. Sua voz é doce, seus olhos nunca têm raiva.
Seria falta de atitude?
Eis a palavra que persegue Sandy desde seus 15 anos, quando cantava
com o irmão Junior: atitude. Atitude para cantar, atitude para falar,
atitude para ser alguém famoso, que geralmente namora, briga, fala o que
pensa. Ao Estado, Sandy, em fase de lançamento de seu primeiro
disco-solo, Manuscrito, fala das cobranças que a perseguem, diz que não
precisa mais do sucesso que fez com o irmão Junior e analisa as duas
Sandys que lhe rondam como fantasmas: a Sandy que nunca existiu e a
Sandy que nunca existirá. “Não adianta, eu não sou rebelde, nunca
precisei dessa rebeldia.”
Sandy, quem é você?
Sou uma pessoa muito reflexiva, penso muito sobre tudo, gosto de
discutir, de fazer indagações, perguntas que às vezes não têm respostas.
Gosto muito desse lado mais abstrato da vida.
As pessoas esperam sempre uma Sandy diferente disso, não?
Antes de gravar este disco, tentei dar o mínimo de atenção para as
expectativas, as influências externas. Eu precisava me ouvir, e é
difícil quando você tem um monte de gente dando opinião. Gosto de ouvir o
outro, mas gosto de ter o controle das coisas, controle sobre mim.
Antes eu tinha esse compromisso com o sucesso, compromisso com o
público, compromisso em vender. Agora não. Agora eu estou livre de tudo.
Público, gravadora, fãs, imprensa. Não se preocupa mais com isso?
Não, e isso é muito libertador. Eu tenho 20 anos de carreira, já
vendi muitos discos, fiz shows para grandes públicos, provei o que tinha
de provar. Eu não preciso mais provar nada, dei conta de manter
aquilo, trabalhar como uma doida, estudar. Aquilo para mim está
realizado, está cumprido.
Desculpe, mas o sucesso não é algo importante?
Não. E eu já não faço mais o mesmo sucesso que eu fazia com o meu
irmão. Continuo sendo uma celebridade, todo mundo quer saber de mim, mas
já faço menos sucesso hoje do que fazia.
E você fala isso com esse sorriso?
Claro, estou superfeliz. Agora estou aqui para me divertir.
Você diz estar na estrada desde os 7 anos de vida. Não perdeu muitacoisa com isso?
Na infância eu estudei, tive amigos e brinquei, mas não podia sair na
rua, ir ao shopping com os amigos. Na adolescência também não, perdi
privacidade. Não foi muito fácil. Quando tinha 15 anos, todos já queriam
saber quem eu namorava. Mas eu quase não me lembro de quando não era
famosa. Antes de eu virar a Sandy, já era filha do Xororó ou, como dizem
alguns, a filha do Chitãozinho e Xororó (risos). Minha mãe me deu
todas as oportunidades do mundo para eu voltar atrás. A cada renovação
de contrato ela me chamava e dizia: “Tem certeza de que quer continuar
fazendo isso?” E eu: “Mãe, pelo amor de Deus, tenho certeza, porque
você está perguntando?”
Aí vem a adolescência e outro peso recai sobre você: atitude. As pessoas querem que você tenha mais atitude.
Eu não fui rebelde mesmo, assumo, eu não fui uma adolescente rebelde.
Daqui a três anos eu terei 30 e não fiquei rebelde ainda. Eu tinha a
vida que… Não precisava reivindicar nada, minha convivência com meus
pais era fácil, tranquila, eu tinha liberdade. E se por um lado eu era
criticada por ser comportada demais, por outro fui exemplo para
famílias. As mães vinham dizendo: “Nossa, você é um exemplo para minha
filha.”
Mas isso não tem glamour.
Pois é, não tem glamour para as pessoas, isso é brega.
Aliás você tem pais que não se separam, você não briga com seu irmão, tudo que parece muito desinteressante para a mídia, não é?
Para a mídia e para o público, já que a mídia publica aquilo que o
público procura. Não é interessante mesmo, pois é, minha vida é chata.
Não tenho vida de artista, tenho vida de gente normal.
Existe um pouco de rock no seu disco novo, não é?
Sim, rock britânico.
Não é preciso rebeldia para fazer rock and roll?
Uma vez eu cantei a música Minha Alma, do Rappa, e no dia eu estava
muito nervosa, não gostei da minha apresentação. Quando assisti depois,
olhei aquilo e falei: “Puxa vida, pegada. Falta pegada.” Realmente,
acho que rock and roll precisa de pegada. Mas eu não tenho a menor
vontade de fazer um disco inteiro de rock and roll. Eu não sou essa
pessoa e eu não tenho essa pegada inteira que precisa ter.
É como se você fosse sempre uma menina. As pessoas vão te ver um dia com 27 anos?
As pessoas esquecem de perceber que eu cresci. Quando elas abrem os
olhos e escutam de verdade, sem preconceitos, percebem que o som é
outro, que a voz não é mais de menininha. As pessoas que não estão tão
atentas não percebem, não me deixam crescer.
O que as pessoas não precisam mais esperar de você?
Não dá mais para esperar uma Sandy Lady Gaga, uma Sandy Beyoncé,
dançando com bailarinos e microssaia top e um telefone na cabeça ou
qualquer coisa assim. Essa não sou eu. O que você pode esperar é uma
Sandy atrás do piano, cantando suas composições. Quem sabe até um
projeto de jazz, de MPB. Não dá mais para esperar uma diva superstar
americana. E só mais uma coisa: eu pensei de novo naquilo que você falou
da rebeldia, talvez ser necessária para fazer rock… Essa coisa que eu
falei da pegada… Você não imagina por exemplo a Gal Costa cantando um
rock, não combina com ela o timbre, o jeito. Mas a gente também não
imaginava o Caetano fazendo rock e ele gravou um disco de rock. Não, não
é necessário ser rebelde para se fazer uma música desse tipo. Eu
conheço um metaleiro que tem uma família incrível, que nunca foi
rebelde, e no palco é o mais puro “sangue nos zóio”.
Mas não é isso que você é, não é? Se tiver de interpretar uma
música como Minha Alma, não tem onde buscar a raiva de que ela
precisa.
Talvez eu tenha, mas não é isso que eu quero por para fora. Eu gosto
de sentimentos mais melancólicos, mais sutis, mais delicados, mais
ternos. Sempre que canto uma música mais romântica me arrepio, me
soltava. É isso que me pega.