27 de ago. de 2019

Sandy & Junior e gosto musical: o quanto aprender a respeitar o outro é importante



Nesta semana, depois de doze anos afastados dos palcos de Curitiba como dupla, Sandy Leah Lima e Durval de Lima Junior, mais conhecidos como Sandy & Junior, voltam a capital paranaense para um show na Pedreira Paulo Leminski. Mas a história que resolvemos contar agora não é da dupla e sim de um rapaz chamado Lucas, sim, este mesmo que vos escreve. Afinal de contas, a turnê comemorativa pelos 30 anos de carreira dos irmãos se chama Nossa História, não? Então simbora aprender um pouco mais sobre empatia e sobre respeito ao próximo.

Me lembro que comecei a gostar de Sandy & Junior aos nove anos, lá na terceira série, quando estudava na Escola Ensino Fundamental Caramuru, no Cabral, em Curitiba. Vindo do interior do Paraná, conhecia muito pouco das “maldades da cidade grande” e sequer imaginava o quanto a mudança de cidade poderia provocar em mim um turbilhão de sensações desconhecidas. E o gosto por Sandy & Junior foi uma delas.

O ano era 2000 e a dupla bombava com o sucesso do disco As Quatro Estações Ao Vivo. Na escola, sempre ouvia parte dos meus amiguinhos, a maioria deles meninas, é verdade, cantarem as músicas e não se importarem com o que os outros diziam, mas comigo era diferente: como era menino, se houvesse algum tipo de manifestação sobre o assunto, automaticamente era motivo de zoeira e humilhação.

Nas poucas vezes que falei sobre o meu gosto musical, eu, vindo do interior, que não via absolutamente nenhuma maldade naquilo, tive a pior das experiências e sensações: sentia que ‘gostar de Sandy & Junior era errado’, como se o gosto musical de quem apontava o dedo era melhor do que o meu. Foi assim por anos.

O tempo foi passando e, aos poucos, fui entendendo que não havia erro algum em gostar de Sandy & Junior, muito pelo contrário, o que a dupla passava eram bons sentimentos, era o ensinamento de o quanto a família era uma parte importante na vida das pessoas, enfim, gostar da dupla para mim nunca foi motivo de vergonha, exceto quando percebia que as pessoas descobriam meu gosto musical. Por que? Porque a zoeira era certa.

Por, pelo menos, seis anos, escondi meu gosto musical e, junto disso, me retraiu no que imaginava ser o certo a se fazer. Afinal de contas, ‘gostar de Sandy & Junior era coisa de menininha, de criancinha, de gente ‘sem conhecimento musical’ e modinha demais’.

Enquanto isso tudo acontecia em minha vida, crescia ouvindo Sandy & Junior em casa, onde me sentia seguro porque nunca foi repreendido por meus pais, a dupla estourava cada vez mais. Os irmãos, filhos de Xororó, lançavam um disco atrás do outro e viviam o melhor momento do sucesso, mas a tal perseguição também atingia aquele que estava lá em cima no momento: o próprio Junior Lima. Ele era tachado das mesmas coisas que seus fãs, simplesmente por ser quem ele era e fazer a música que fazia. Sentido nisso não havia.

Foi em 2003, com o lançamento do disco Identidade, que trazia uma Sandy e um Junior muito mais amadurecidos, desprendidos de todo o preconceito, mostrando que evoluíram com o próprio trabalho e com uma sonoridade diferente do que eles já tinham feito até então, que vi que não queria mais esconder meu gosto musical. Não havia motivo para isso, nunca houve, e aquele era o momento de se libertar disso e viver da melhor forma que eu mesmo aprendi com as músicas da dupla.

Libertar, ironicamente, era o nome de uma das novas músicas do disco de Sandy & Junior. A música dizia mais ou menos assim: “Se o coração se esconde, tem medo de amar, libertar e viver. Ser livre pra voar, ser livre pra sentir, o amor que a lua ensinou. Ser livre pra mostrar, que o céu é logo ali, ser livre, ser o que sonhou”. E foi uma das músicas que me fizeram, já com 12 anos, entender que não havia mal nenhum em se ‘assumir fã’ (pois é, perceba o quanto soa ridículo ler essa frase, pois ela é extremamente desnecessária).

Ao me ‘libertar’ de uma das minhas maiores preocupações, que era o julgamento das pessoas por meu gosto musical, automaticamente cresci. Percebi que não me faria mal se me atacassem por ter um gosto musical definido, tive a confirmação de que o melhor para mim era aquilo e que se outra pessoa não gostasse era assim que tinha que ser, afinal pessoas têm gostos diferentes desde que o mundo é mundo.

Em 2003, eu, que já tinha assistido a somente um show dos irmãos na vida, no Couto Pereira, um ano antes, porque minha irmã resolveu embarcar nesse sonho e ajudar a reforçar que não tinha mal algum nisso, fui em dois shows da dupla em Curitiba: um no Parque Barigui e outro na Pedreira Paulo Leminski.

Sandy & Junior ficaram três anos sem lançar nada e surpreenderam quando, em 2006, apresentaram um disco que tinha ainda mais identificação com tudo que eu já tinha vivido até ali. Era, realmente, a representação do que eu queria dizer nesse tempo todo, através das músicas.

Mas ironicamente, ou não, em 2007 a dupla resolveu se separar. Com 16 anos, o fim de Sandy & Junior foi, para mim, então adolescente, o fim de algo que sempre lutei e busquei mostrar às pessoas o quanto, para mim, fazia sentido. E foi um dos anos mais marcantes, pois me entreguei e assisti a quatro shows da turnê de despedida, entre eles o último. Ainda que visse ali, naquele último show, um pouco de mim ir embora com a dupla do palco do Credicard Hall, em São Paulo, aquele ano ficou marcado como a consagração de todo o respeito que tinha buscado até então das pessoas.

Os anos passaram e doze anos depois, já com carreiras solos bem firmadas e com o mundo dando tantas voltas que fez com que a profissão que escolhi se encontrasse com a dos artistas, a dupla resolveu comemorar o sucesso do passado. Foi aí que eu, então fã e jornalista, aos 27 anos, vi todo aquele pavor do passado se repetir e voltar ainda mais forte pela pura maldade das pessoas.

“Com quase 30 anos na cara gostar de Sandy & Junior? Cria vergonha e vai ouvir algo que preste, rapaz”, foi uma das frases mais absurdas que ouvi. Isso sem contar as pequenas zoeiras em rodas de amigos, de gente que tem ídolos bem diferentes, mas não conseguem entender o gosto por uma dupla de irmãos que começou cantando músicas country infantis, amadureceu e se tornou o nome mais forte do pop nacional. Doeu ler isso? Pois é, saiba que essa é a mais pura verdade, sem enfeite nenhum.

Sandy Leah Lima e Durval de Lima Junior venderam, ao longo dos anos em que lançaram seus discos alvos de preconceito de muita gente, mais de 20 milhões de cópias entre CDs e DVDs. Além disso, um levantamento feito pela Crowley Broadcast Analysis mostrou que os irmãos ficaram na 13ª colocação na lista dos artistas mais executados nas rádios brasileiras entre os anos de 2000 e 2014.
Foto: Colaboração/Cesar Fonseca.
Foto: Colaboração/Cesar Fonseca.
Mas, se você chegou até aqui, deve estar se perguntando o que eu quis com tudo isso, não? Pois então vamos lá: gostar de Sandy & Junior é algo que, para muita gente como eu, foi visto como negativo por quem gostava de outros artistas. As pessoas, por não gostarem, zombam do gosto musical alheio sem entender que elas não têm absolutamente nada a ver com o som que a outra pessoa ouve e que isso não muda em nada na vida delas.

Respeitar o gosto musical de alguém é muito mais do que educação, aquilo que aprendemos com nossos pais e que levamos para a vida toda, é empatia. Afinal de contas, você pode não gostar de Sandy & Junior, mas pode ser fã de qualquer outro nome da música, esse artista não fazer sentido para quem gosta de Sandy & Junior, e tudo bem. Porque o respeito deve ser mutuo e nada muda na sua vida se você não gosta do som que seu amigo ouve e você pode, sim, respeitar isso.

Ao longo destes quase 20 anos admirando a dupla, eu sempre tive a sensação de que fiz a melhor das minhas escolhas em ‘assumir’ ser fã. Porque as pessoas só conseguem ser autênticas quando se revelam para as outras como quem elas verdadeiramente são, sem precisar esconder alguma coisa por medo do que o outro vai falar.

Por fim, te faço uma pergunta: por que as pessoas podem ser tão más por conta de um gosto musical de alguém? A resposta está em uma das últimas músicas lançadas pela dupla, Alguém Como Você, que diz: “Ninguém entende nada, eles nunca vão saber”. Há 19 anos eu sentia vontade de dizer tudo isso e acredito que o momento certo seja este. Com todo este texto, digo apenas para que você não esconda quem você é por medo do que vão dizer, nem que isso seja apenas o seu gosto musical.