Afinada,
pegou o tom certo, fugindo dos viciados vibratos e outros excessos das
cantoras atuais (negras ou não), que acham que para cantar soul basta
gemer e berrar. Não só fez tudo com correção milimétrica - na pronúncia
perfeita do inglês, na montagem do roteiro e nos surpreendentes arranjos
-, como foi além, tornando algumas canções menos melosas do que as
gravações originais.
É o caso de Music and Me, em refinada versão folk, um dos picos do show. Ben ganhou belo arranjo de blues/jazz com solo de piano e tudo, em ritmo mais acelerado. Já em Billie Jean, outro acerto, deu-se o inverso: em andamento mais lento, ao estilo jazz-soul de Sade, Sandy criou novo interesse sobre a tão desgastada canção. E, como ela mesma disse, não poderia faltar Don’t Stop Til You Get Enough, que ficou para o bis, com peso de rock-funk.
Além do figurino, Sandy fez citações sutis das performances de Michael, evitando a imitação redundante, seja num discreto passo de dança, no jeito de levantar o braço, num gritinho ou outro, ou na pose de zumbi e o colete vermelho em Thriller. São gestos caprichosos que mexem com a emoção e o imaginário do público, e só não “capta” quem viveu noutro planeta no século 20. Tem fã dele e/ou dela que até chora.
Sandy diz que se identifica com Michael também pelo fato de os dois terem começado a carreira na infância. Por isso ela fez questão de incluir Leave Me Alone, que fala do cansaço pela excessiva exposição na mídia. A voz de Michael em off dizendo o poema Planet Earth introduz a dramática Earth Song, que ela de novo interpreta com menos afetação do que ele. No final, Gone Too Soon cumpriu o papel de homenagem de despedida do ídolo que morreu tão cedo, como comentou a diretora Monique Gardenberg, idealizadora do projeto Circuito Cultural Banco do Brasil.
Michael não admitia que nos shows as canções soassem diferentes dos registros dos discos. Não faria sentido Sandy e banda se limitarem a copiá-lo. O risco de dar errado ao reinventar canções tão conhecidas também é grande. O mérito criativo é de Lucas Lima, marido da cantora, que fez os novos arranjos. Ainda que com pouco ensaio e com a voz comprometida por conta de um resfriado, ela e a banda não decepcionaram. Com melhor desenvolvimento no palco o show tende a crescer. Só falta a cantora ser mais atirada, mais intensa.
R&b com Lulu. Também faltou ensaio a Lulu Santos, que repete em São Paulo na quarta o show de sexta cantando Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Como Sandy, o cantor fez tudo diferente, puxando para o rhythm and blues clássicos dos anos 1960 da dupla, como Quando, Eu Sou Terrível, Não Vou Ficar, a datada Festa de Arromba, Se Você Pensa, Vem Quente Que Eu Estou Fervendo, Você Não Serve pra Mim, esta com versátil vocal do baixista Jorge Ailton.
Acompanhado de uma ótima banda, Lulu abriu e fechou o show com Sentado à
Beira do Caminho, fez citações de clássicos do pop-rock e soul - como
Hit the Road, Jack, Tequila, Roll Over Beethoven, Kansas City, Lay Lady
Lay, I Saw Here Standing There, Wipe Out - e até Babalu, em várias
canções, colocou batida de funk e samba-reggae tribal ao estilo
Olodum/Timbalada, levada de reggae, mistura de xote e cabaret waltz.
Pena que tenha errado tantas vezes algumas letras e ficado só em big
hits. Fora isso, com mais ensaio, é outro show com potencial para longa
temporada.
Para 2012, Monique já tem algumas ideias em andamento: Paulinho da Viola
cantando Nelson Cavaquinho. Madonna por Marina Lima, Maria Gadú
cantando Adoniran Barbosa e uma reunião de ex-integrantes de bandas de
rock dos anos 1980 - Dado Villa-Lobos, Frejat, Toni Platão e Charles
Gavin - tocando Beatles
Fonte: Estadao