Quem convence mais? Sandy bebendo
cerveja ou Dilma preparando omelete? A cantora e a presidente decidiram
popularizar suas imagens. Sandy ficou loura platinada e posou com uma
tulipa nos lábios, sem nenhum jeito de devassa. Dilma encarou a
frigideira no programa de Ana Maria Braga e se saiu melhor do que a
cantora. Marketing por marketing, a presidente foi menos polêmica e
mais convincente no papel desenhado para ela: uma avó normal e afetuosa
que lê romances açucarados e Dostoievsky.
“Todo
mundo achava que ela era comportadinha, boa menina, dormia cedo.”
Assim começa o anúncio da cerveja, com a Sandy de costas. Aí ela faz
algo que certamente nunca tentara antes e precisou ensaiar bastante:
destampa a garrafa com um golpe de mão no balcão. E se vira, os cílios
enormes, a bochecha rosada de blush. Reconhecemos ali a moça que sempre
defendeu a virgindade antes do casamento. Cervejeiros se recusam a
acreditar que a cantora seja boa de copo. E seu striptease meia bomba é
despido de qualquer traço de sensualidade.
Pela
polêmica, a campanha é sucesso – só não sabemos se vai convencer
homens e mulheres a consumir a cerveja. O jeito com que Sandy segura o
copo cheio, com o dedo mindinho tenso, denunciou a incompatibilidade da
moça com o líquido dourado.
A
escolha da garota-propaganda rendeu piadas no Twitter. “A Sandy é tão
devassa que... comeu os docinhos antes do parabéns... para causar,
cortou o papel higiênico fora do picote.... tocou a campainha da Wanessa
Camargo e saiu correndo!... já usou condicionador antes do xampu... A
Sandy é tão devassa que uma vez comeu cereal matinal à tarde.” Como a
Sandy nunca me convenceu nem como cantora nem como mulher atraente,
custo a encontrar o motivo do cachê milionário. Além do mais, prefiro
cerveja ruiva e preta. Não sou definitivamente o público-alvo dessa
campanha.
A
outra investida de imagem na semana, que exibiu a Dilma dona de casa,
avó e cozinheira, me convenceu bem mais. Foi um marketing bem pensado
às vésperas do Dia Internacional da Mulher, 8 de março. Não faço parte
do público de programas populares ou de televisão aberta no Brasil.
Jamais assisti a um Big Brother, nem por dever de profissão. Há sacrifícios impossíveis.
Como
Dilma seria a entrevistada de Ana Maria Braga, resolvi assistir ao
programa. Li críticas azedas à presidente, pela conversa de comadre numa
semana em que o país discutiu volta da inflação, cortes no Orçamento e
aumento nos juros.
Vi
e gostei. Na cozinha, Dilma parecia menos deslocada do que Sandy no
botequim. Estavam ali no programa duas mulheres que venceram uma luta
contra o câncer. Não dá para achar que Dilma vai tomar café da manhã
com o papagaio e Ana Maria Braga para discutir a Líbia ou a demissão de
Emir Sader na Cultura ou o assédio do Paulinho da Força Sindical.
Dilma chegou a falar de CPMF e das microempresas. Saúde e
empreendedorismo são temas caros à mulher. Com um timbre de voz mais
suave, tentou desgarrar sua imagem do ex-presidente que agora ganha R$
200 mil por palestra autolaudatória.
O
que mais me agradou em Dilma quase não repercutiu: seu apreço pela
educação. “Meu pai valorizou uma coisa que todos os pais e mães devem
valorizar nas crianças e jovens, o estudo. É uma forma de conhecer o
mundo e ser uma pessoa melhor. Eu gostava de romances açucarados com
final feliz, da Coleção das Moças, mas meu pai me dava junto um
livro de Dostoievsky.” A presidente disse ter tanta paixão por livros
que adora cheirar as páginas novas. “Se quiser me dar imenso prazer, me
deixa numa livraria. Faço outras compras como todas as mulheres, mas
amo livros.”
Após
dois mandatos de um presidente que se gabava de não ler nem jornal,
oito anos sendo obrigada a engolir a glamourização da ignorância e a
glorificação do inculto, dá enorme alívio ouvir Dilma falar assim. Não
importa que a maioria dos telespectadores nem sequer saiba quem é
Dostoievsky, o autor de Crime e castigo que viveu no século XIX. Isso é detalhe.
Fonte: Portal Época